“Liberdade de mercado e a necessidade de proteger os consumidores no Setor Imobiliário.”

 




O grande dilema que se dá no âmbito do setor do mercado imobiliário, onde a dinâmica de compra, venda e locação de imóveis está cada vez mais complexa, onde surge um dilema ético relacionado ao amadorismo dos profissionais que atuam nesta área, algo que presencio com grande frequência por ser o meu setor de atuação profissional. Este dilema se manifesta quando colocamos em contraponto a tensão entre a necessidade de uma regulamentação mais rígida que garanta a qualificação dos profissionais e a liberdade de mercado que permite a entrada de novos atores, independentemente de sua experiência.

Dado esse fato por um lado, a grande presença de profissionais amadores no mercado imobiliário atraídos pela grande visão altos ganhos, acaba pode ser vista como uma forma de democratização do acesso ao mercado, permitindo que mais pessoas tenham a oportunidade de trabalhar como corretores ou consultores imobiliários e outras áreas a fins. Isso pode levar a uma maior concorrência, o que, teoricamente, poderia resultar em benefícios para os consumidores, mas, na verdade, o amadorismo também traz consigo uma série de riscos éticos e práticos.

A grande presença de profissionais sem a devida formação e experiência que não estão preparados para lidar com as complexidades jurídicas, financeiras e comerciais do mercado imobiliário, levam a disseminação más práticas, como a falta de transparência nas transações, a má avaliação de riscos, a negligência na verificação de documentos importantes e, em casos extremos, a fraude.

Uma pesquisa recente da FOLHA DE SÃO PAULO alerta: “Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 revelam que o número de estelionatos no País mais que quadruplicou nos últimos cinco anos. Para se ter uma ideia, em um ano, foram registrados mais de 1 milhão de casos — sendo 200 mil praticados em meios digitais.” Sendo assim podemos observar que os crimes de estelionatos está cada dia mais presente no nosso cotidiano, não sendo diferente no setor imobiliário.

O Dilema:

Um dilema ético surge quando se considera o equilíbrio entre a liberdade de mercado e a necessidade de proteger os consumidores. A regulamentação excessiva pode limitar a entrada de novos profissionais e reduzir a concorrência, mas a ausência de regulamentação pode expor os consumidores a riscos desnecessários. A questão é, portanto, encontrar um meio-termo que garanta a qualidade do serviço prestado sem sufocar a inovação e a competição. 

Proposta de Solução:

Uma proposta para resolver este dilema poderia ser a implementação de um sistema de certificação voluntária para profissionais do mercado imobiliário. Este sistema poderia incluir cursos de formação contínua, exames de qualificação e um código de conduta ético. Os profissionais que obtiverem a certificação poderiam usar isso como um selo de qualidade, diferenciando-se no mercado e oferecendo aos consumidores uma garantia adicional de confiabilidade. Ao mesmo tempo, seria importante manter um sistema de fiscalização e responsabilização para todos os profissionais do setor, certificados ou não, de modo a prevenir e punir más práticas.

Isso poderia incluir a criação de um conselho de ética imobiliária, com poder para investigar denúncias e aplicar sanções. Em resumo, o dilema ético do amadorismo no mercado imobiliário exige uma abordagem equilibrada que valorize tanto a liberdade de mercado quanto a proteção do consumidor. Mediante uma combinação de educação, certificação voluntária e fiscalização, é possível criar um ambiente onde a concorrência e a qualidade possam coexistir, beneficiando tanto os profissionais quanto os consumidores do setor imobiliário.

A proposta de solução para o dilema ético do amadorismo no mercado imobiliário pode ser baseada na teoria ética do contratualismo, especialmente na versão defendida por John Rawls. Rawls, em sua obra “Uma Teoria da Justiça” (1971), propõe que os princípios de justiça devam ser aqueles que indivíduos racionais e livres escolheriam por trás do “véu da ignorância”, um estado hipotético onde ninguém conhece sua posição social, riqueza, intelecto, ou qualquer outro fator que influencie a escolha dos princípios.

Aplicando essa teoria ao dilema do mercado imobiliário, podemos imaginar que os profissionais e consumidores do setor estariam por trás do véu da ignorância, desconhecendo seu nível de especialização, poder de barganha e outras variáveis que poderiam influenciar suas decisões. 

Nesse contexto, eles estariam interessados em estabelecer regras que garantam a equidade, a proteção dos menos favorecidos (no caso, os consumidores menos informados ou vulneráveis) e a eficiência do mercado. Desse modo a teoria de John Rawls pode ser aplicada diversos princípios como podemos ver:

Princípio da Liberdade: Todos os indivíduos devem ter uma ampla liberdade

básica, compatível com a liberdade dos outros. Isso significa que, no mercado imobiliário, tanto os profissionais quanto os consumidores devem ter a liberdade de escolher e agir, desde que isso não prejudique a liberdade dos outros.

Princípio da Diferença: As desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas para beneficiar os membros menos afortunados da sociedade. Isso sugere que as políticas e regulamentações do mercado imobiliário devem ser projetadas para proteger os consumidores e garantir que os benefícios da concorrência e da inovação sejam amplamente compartilhados.

Princípio da Igualdade de Oportunidade: As posições sociais e cargos devem ser abertos a todos, sob condições de igualdade de oportunidades justas. No contexto do mercado imobiliário, isso significa que deve haver oportunidades para que novos profissionais entrem no mercado e sejam bem-sucedidos, desde que atendam a certos padrões mínimos de qualificação e ética.

 

A implementação de um sistema de certificação voluntária, como mencionado anteriormente, pode ser vista como uma maneira de reconciliar esses princípios. Ao oferecer uma certificação baseada em competências e ética, o mercado imobiliário pode garantir que os profissionais estejam devidamente qualificados, ao mesmo tempo, em que permite a entrada de novos atores e preserva a liberdade de escolha para os consumidores. 

Além disso, a existência de um conselho de ética e um sistema de fiscalização ajudaria a garantir que todos joguem conforme as mesmas regras, promovendo a justiça e a equidade no mercado. Em suma, a teoria contratualista de John Rawls fornece uma base filosófica sólida para a criação de um mercado imobiliário que equilibre a liberdade de mercado com a necessidade de proteger os consumidores e garantir a qualificação dos profissionais, promovendo assim a justiça e a eficiência no setor.

Agora se formos ver pela teoria Deontologia de Kant baseia-se na ideia de que os atos são morais não por suas consequências, mas sim pela aderência a deveres universais e leis morais. Kant argumenta que a moralidade deve ser baseada na razão, que todos os seres racionais devem ser tratados como fins em si, nunca apenas como meios, como podemos ver na obra. 

“Crítica da Razão Prática (1788)”: 

“A humanidade deve ser tratada em nossa própria pessoa e na pessoa de cada um dos outros sempre e, ao mesmo tempo, como um fim, e nunca simplesmente como um meio.”. Essa ideia é capturada em sua famosa. 

“Fórmula do Império das Leis” ou “Fórmula do Respeito”, sendo um dos aspectos de sua “Lei Categórica”. 

A Lei Categórica de Kant é um imperativo moral absoluto que ordena: (KANT, 1788-2008, p. 51) “Age de tal forma que a máxima de tua vontade possa

valer sempre ao mesmo tempo, como princípio de uma legislação universal”. Isso significa que devemos agir de acordo com princípios que poderiam ser universalizados, ou seja, que todos deveriam poder seguir sem levar a contradições ou resultados injustos.

Aplicando a teoria ética de Kant ao dilema do amadorismo no mercado imobiliário, podemos considerar as seguintes questões:


● Universalização das Ações: Kant nos pediria para considerar se a ação de permitir profissionais amadores no mercado imobiliário poderia ser universalizada. Isso significaria perguntar: "Se todos os profissionais do mercado imobiliário fossem amadores, isso levaria a um resultado coerente e sustentável?" A resposta poderia ser negativa, pois a falta de qualificação e expertise poderia levar a um mercado caótico, com transações injustas e consumidores prejudicados.

Tratamento dos Seres Racionais: Kant enfatiza que os seres racionais devem ser tratados como fins em si mesmos. No contexto do mercado imobiliário, isso significa que tanto os profissionais quanto os consumidores devem ser tratados com respeito e dignidade. Permitir que profissionais amadores, que podem não estar devidamente preparados para lidar com as complexidades do mercado, atuem sem restrições, poderia levar ao tratamento inadequado dos consumidores, que podem ser explorados ou induzidos a erro.

Deveres e Leis Morais: Kant argumenta que devemos seguir leis morais universais. No caso do mercado imobiliário, isso poderia ser interpretado como a necessidade de estabelecer padrões éticos e regulamentações que garantam a qualidade do serviço prestado e a proteção dos consumidores. Isso poderia incluir a criação de um código de conduta profissional, exigências de licenciamento e sistemas de certificação que garantam que todos os profissionais tenham um nível mínimo de competência e conhecimento.

Boa Vontade e Intenção Moral: Para Kant, a moralidade de uma ação depende da intenção por trás dela. No mercado imobiliário, mesmo que as consequências de permitir profissionais amadores possam ser negativas, se a intenção for a de promover a concorrência e a acessibilidade, isso poderia ser considerado moralmente justificável. No entanto, Kant argumentaria que a boa intenção não é suficiente se as ações resultam em tratamento desigual ou desrespeito aos princípios morais universais.

 

Em resumo, a teoria ética de Kant sugere que, ao abordar o dilema do amadorismo, no mercado imobiliário, devemos considerar a universalização das ações, o tratamento dos seres racionais como fins em si, o cumprimento de deveres e leis morais universais, e a importância da boa vontade e intenção moral. Isso aponta para a necessidade de regulamentação e padrões éticos que garantam a qualidade do serviço e a proteção dos consumidores, ao mesmo tempo, em que respeitam a liberdade e a dignidade de todos os envolvidos.


Referências Bibliográfica:

DALBONE, Antonio; BASTOS, Angélica. Moral kantiana e ética da Psicanálise. Arq.

bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 61, n. 2, p. 1-6, ago. 2009. 

Disponível em: 

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672009000200005&lng=pt&nrm=iso. Acessos em 02 jul. 2024.


Cuidado com os golpes nas transações imobiliárias. 

Disponível em:

https://www.folhape.com.br/economia/cuidado-com-os-golpes-nas-transacoes-imobiliarias/320616/ . Acesso em: 2 jul. 2024. 


SANTOS, C. A. M. Justiça restaurativa e justiça militar estadual: uma

possibilidade à luz da teoria da justiça de John Rawls. [s.l.] EDITORA CRV,

2020.

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